"Cidadãos do século 21 podem multiplicar seus cartões de crédito, podem aumentar seus limites, mas destruição de verdade, morte por extravagância, já não é possível. Dá-se um jeito com a empresa do cartão de crédito. Sempre se pode, caso chegue a esse ponto, declarar falência e começar de novo. Ninguém vai tomar uma dose de cianeto por causa de um par de botas de motociclista equivocadamente comprado.
É confortador, claro que sim, mas também, de alguma forma, desencorajador viver num sistema que não permite a autodestruição."
Ano: 2015 / Páginas: 252
Idioma: português
Editora: Bertrand Brasil
Ano passado, assisti a uma entrevista do autor divulgando o livro no Globo News Literatura e fiquei muito interessada em conhecer a obra, mas fui adiando a leitura! Quando o blog Estante Insólita o elegeu como a melhor leitura do ano, fiquei ainda mais interessada e decidi passá-lo na frente de outros livros da minha pequena listinha infinita!
Quem quiser ver a resenha do Estante Insólita, clique aqui.
Em homenagem ao conto de Hans Christian Andersen, mas passando longe de fazer uma adaptação deste, o autor Michael Cunninghan brinca com o título Rainha da Neve para apontar para os dois personagens principais desta história.
A palavra "Queen" (ou rainha) é usado ofensivamente para chamar alguém de gay, enquanto "Snow" (ou neve) também é um termo para se falar de cocaína. Assim, vemos Barret e Tayler sendo apresentados para os leitores logo no título do livro. O primeiro é gay e o segundo viciado em cocaína.
O cenário se apresenta em uma Nova Iorque invernal, onde a neve predomina. A narrativa fica por conta de um narrador mais emotivo, capaz de destacar os pensamentos dos personagens de forma levemente passional.
Nossos personagens principais são dois irmãos que, diferentemente do que se espera de moradores de NY, são homens decadentes e conformados com a vida que levam. Logo percebemos os extremos que o autor quis nos apresentar. Em uma cidade onde espera-se que todos sejam felizes e bem sucedidos, não apenas os irmãos fogem à regra, mas também Beth (noiva de Tayler) e Liz (chefe de Barret).
Barret está desiludido amorosamente e conformado por ser um vendedor de roupas na loja de Liz e de morar na casa de seu irmão com a noiva dele. Ele passeia pelo Central Park quando uma luz misteriosa aparece no céu. Depois disso, Barret fica muito intrigado e pensa que tal experiência foi sobrenatural.
Beth está com câncer terminal e Tayler, que é um músico, trabalha duro para fazer uma música para ela. Eles se casarão em breve e o noivo dedica seus dias para cuidar de Beth.
Liz é uma mulher madura que adora se relacionar com homens mais jovens, porém, prefere não se aprofundar nessas relações.
"Vivo agora num mundo além da consequência ou da lógica; não faço mais o que é preciso, faço o que consigo fazer, e nessas ocasiões parabéns são sempre bem-vindos."
Algumas críticas apontaram o livro como algo dispensável, defendendo a ideia de que o autor contou uma história superficial. Não concordo!
A história é muito bem escrita e a apresentação dos personagens combinam muito bem com o objetivo que o romance pretende alcançar. Admito que fiquei um pouco frustrada ao passar das páginas, porque inicialmente o romance promete ser algo muito impactante, mas aos poucos você vai percebendo que nada de extraordinário irá acontecer.
Contudo, aos poucos vamos entendendo a função dessa história.
Apesar de Beth estar morrendo de câncer, ela não se torna uma pessoa divina e iluminada, continuando a ser exatamente um ser humano repleto de inquietudes e dúvidas.
O viciado que conhecemos, não trata-se de um homem violento e descontrolado, Tayler é um homem comum e dedicado que apesar de parecer estar cuidando de Beth apenas para demonstrar seu amor, nos mostra que isso atende aos seus interesses pessoais, pois faz com que ele se sinta útil apesar de sua vida tão normal!
Barret é gay. E apenas isso! Sente tesão, apaixona-se e se frustra como qualquer outra pessoa, nos mostrando assim, que gay ou heterossexual, o ser humano está sempre buscando alguém para compartilhar suas trivialidades. A relação de todos os personagens demonstra ser profunda apesar de ser apresentada de forma muito natural.
Através dessas características muito bem apresentadas, percebemos que todos nós temos a necessidade de nos sentirmos especiais, todos nós corremos o risco de nos acomodar mesmo quando tudo a nossa volta parece ser um oceano de possibilidades, todos estamos em busca do amor, todos estamos em busca de algo que nem sempre conseguimos identificar o que seja.
O autor de “As Horas” foi no mínimo ousado em nos mostrar que, às vezes, o que temos de extraordinário está exatamente na habilidade que temos em lidarmos com as situações que a vida nos apresenta. Não somos heroicos, nem somos personagens de um conto de fadas em que tudo se acerta no final, somos apenas pessoas tentando sobreviver, buscando por um lugar que nos caiba e tentando voar de acordo com o tamanho de nossas asas, ou de nossa vontade de fazê-lo.
"E existe, provavelmente, algo terrível, mas tranquilizador, na certeza do fracasso, não? Dificilmente alguém se torna um grande músico. Ninguém pode entrar no corpo de um ente querido e arrancar dele o câncer. No primeiro caso, a gente se culpa. No segundo não temos nada a dizer."
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