Dizem que nossa racionalidade é dominada por nossos hormônios.
Nos tiraram, por tempo demais, o direito da fala.
Usurparam nossa possibilidade de nos comunicar.
As mulheres que falavam, ou que lutavam para serem ouvidas, eram encaradas como loucas e muitas vezes eram trancafiadas em manicômios porque fugiam do senso comum.
O ideal de humanidade procura por um padrão onde os homens são criados para viverem na esfera pública, enquanto as mulheres devem se contentar com o sucesso da vida familiar.
Se ousamos sair do ninho, nos pesa a responsabilidade do sucesso total em todos os âmbitos de nossas vidas! É preciso ser boa profissional, excelente dona de casa, mãe exemplar e estar bem maquiada e com a progressiva em dia.
Querido, olhe bem para mim! Procure o que me basta! Porque não me basta cuidar da roupa e nem da gordura encrostada no armário da cozinha!
Também não me basta estar 15 quilos mais magra.
Não me satisfaço com as maquiagens à prova d'água e nem os saltos altos estilo agulha.
Nem sempre sou bela, há dias que não quero nem pentear os cabelos, deixo o esmalte descascar por pura preguiça e vivo me esquecendo de fazer as sobrancelhas.
Dificilmente sou recatada, tenho uma risada exagerada, falo palavrões monstruosos e costumo chamar as pessoas de "cara" na maior parte do dia.
Não sou "do lar", eu sou do mundo! Eu sou de onde eu quiser!
Tenho sempre um chiclete sem açúcar na bolsa e um par de sapatos de saltos no carro, enquanto dirijo de sapatilha.
Adoro ver as crianças felizes e me sinto menos angustiada quando as vejo alimentadas, de banho tomado ou sorrindo enquanto voltamos da escola. Mas isso não me basta!
Também não me basta o marido que me ajuda! Quero um cara que luta comigo, que me olhe nos olhos do mesmo degrau em que me encontro. Que não veja fragilidade em minhas lágrimas, mas que as reconheça como uma forma de audácia.
Quero alguém que me conforte, mas que se sinta feliz em se sentir confortado por mim.
Não me basta o peito disponível nas horas difíceis. Quero os risos sinceros, as vitórias comemoradas com taças de vinho e uma transa bem feita no final da noite!
Não me contento em dar prazer, sinto-me excitada quando o proporciono, mas o seu gozo não substitui o meu.
Não aceito os olhares questionadores que me julgam e se mostram insatisfeitos com meu comportamento, como se minha conduta fosse sempre inadequada e que talvez, eu não tivesse o direito de existir.
Não me submeto a essas regras insanas de uma sociedade supostamente defensora que usa seu poder de disciplinar, para justificar seu poder em oprimir. Leis e normas que enxergam a cultura como um fato mais biológico do que social.
Sou mulher e minha feminilidade é regulada e financiada por uma cultura que não me enxerga com plenitude e me limita, porque não sou apenas feminina. Sou bem mais do que isso.
A automatização do sistema de poder sustenta um olhar hierárquico que é produzido e mantido pelas relações. Nossas relações possuem uma função básica em nosso contexto social: disciplinar o pensamento e o corpo.
Isso jamais me bastaria! Do meu corpo e dos meus pensamentos, cuido eu!
Ainda serei por muito tempo louca e desequilibrada, mas sei que, algum dia, as outras que virão serão respeitadas e terão o direito de experimentarem todos os movimentos da vida de forma consciente e intensa!
Luto por mim e luto por elas!
Guardo sonhos e vejo possibilidades!
Sei que algum dia seremos reconhecidas pelas nossas singularidades e não pela nossa sexualidade!
Não me basta ser a louca, nem a bela, menos ainda a recata e a do lar.
Sou mais do que isso!
Tenho o direito de existir, de questionar e de sonhar!
Eu tenho o mundo dentro de mim e me vejo conquistando o mundo aqui fora.
Por isso, querido, olhe bem para mim! Procure o que me basta!
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